Tá acordando ainda? Não sabe onde ‘cê tá, né…? Eu ‘tô morto. Se tu tá escutando minha voz, tenho péssimas notícias. Sabe… quando a gente era vivo sempre tinham piadinhas relacionadas a o que vamos falar no céu ou no inferno sobre como nós morremos. Nunca pensei que realmente nós ia ter como bater esse papo. Aí, eu ‘tava num momento complicado, sacô? Não repara no buraco na minha testa agora não, ‘xô te contar as parada com mais calma. Pô, o trabalho lá era estressante pra caceta, meus pais nunca gostaram muito de mim, tá ligado? Sempre fui tirado como a ovelha negra da família, o moleque inútil que não vai ter futuro e ‘tals’… Haha, de fato eu não tive futuro, 21 anos e com o CPF cancelado.
Relacionamentos sempre foram um problema pra mim, tá ligado? Carai, nenhum filho da puta que eu tive relação parecia realmente gostar de mim… ou talvez minhas expectativas fossem muito altas? Não faço ideia dessas porra não, não sou psicólogo.
Essa bola de neve… Essa bola de merda foi ficando cada vez maior e eu decidi que seria mais fácil acabar com essa porra de vez, morô?
Fui lá, peguei a arma do meu tio que é um cana aposentado e por algum motivo continuou com a arma e planejei tudo…
Não consegui vir pra cá de primeira não.
N’outro dia, tomei tudo que era remédio e meti a pistola na minha têmpora, aqui do lado do olho, tá ligado? Porra, a sensação foi aterrorizante… mas ao menos a dor ia parar, foi o que eu achei, né? O metal gelado ralando em meu rosto e eu rezei, rezei às forças divinas que perdoassem minha ação.
Acordei aqui, nessa porra desse vazio que nem faz muito sentido… como ‘cê tá acordando agora. É tudo tão cinza por esses canto… me pergunto se o céu ou o inferno realmente existem ou nóis vai ficar aqui pra sempre.
Ah, perdão por falar um monte de desgraça minha pro’cê, zé, mas é tipo um ritual de iniciação pra mim.
E aí, como foi que ‘cê foi de vala paizão?
— Corvo