Deparo-me com pensamentos prófugos sobre minha verdadeira identidade, sobre o que eu sou, todas noites em que me deito em minha não tão confortável cama. Quem eu sou, de fato? Ou melhor, quem Eu sou? Certas pessoas podem dizer que Eu sou eu, a máscara que mostro para a sociedade, outras irão dizer que Eu sou Eu, os pensamentos que realmente residem dentro de minh’alma, ou coisa parecida. A realidade crua é que, eu não sei quem Eu sou. Sou jovem, possuo conhecimento, isso é claro, mas eu continuo sendo jovem, continuo navegando nesse mar de incertezas sobre minha verdadeira face. Não tive tempo para descobrir quem Eu sou. Vivo num constante estado de piloto automático. Claro que penso, e penso até demais, porém, não ajo conforme meus pensamentos de forma frequente. Imagino que por isso, eu não consiga entrelaçar fios com outras pessoas. Pois nem eu sei quem Eu sou. Afinal de contas, “Conhece a ti mesmo” é um dos grandes pensamentos frequentemente atribuídos a Sócrates, um dos mais influentes filósofos ocidentais, independente do fato dele ter existido ou não. O que ponto é que: O autoconhecimento é necessário para guiar nossas vidas e nossas decisões, nossas escolhas, nosso modo de agir, o que você vai comer no café da manhã semana que vem e até mesmo quem você deve matar. Sem o autoconhecimento, estamos limitados a conhecer apenas o mundo exterior e dependemos da visão alheia para nos definirmos.

 Os nossos sentimentos são ilusões;
 As nossas vontades são passageiras;
 Os desejos, efêmeros como fogos de artifício;
 Os nossos impulsos são neurológicos.

 A vida, em si, não tem propósito definido, mas podemos criar um. A jornada é o que verdadeiramente importa. Entretanto, nem todos conseguem ter o impulso do seu mentor e seguir a sua jornada individual para descobrir quem realmente são. Um herói que não conhece a si mesmo é apenas um símbolo. Se ninguém, incluindo a mim mesmo, consegue me entender, por que deveria continuar? Por que marchar em rumo ao sofrimento?
 É evidente que o sofrimento é constante, mas a vida, de uma forma macroscópica, é bela. Tornamo-nos pessoas egoístas justamente por não entendermos quem somos, nossa essência, quem é o nosso Eu individual. Nunca poderás ser uma pessoa completamente empática caso não tenha empatia consigo mesmo. Portanto, busco, através da meditação e da autorreflexão, compreender quem sou, a minha verdadeira essência, minha real identidade, a cada dia que passa. É um caminho difícil, pois tudo me leva a acreditar que Eu não sou uma boa pessoa. No entanto, tenho certeza de que não sou uma má pessoa. Preciso compreender o mundo, mas para isso, preciso dar pequenos passos e ir lentamente.

Siddhartha Gautama, Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche compreendiam que o sofrimento é inevitável. Siddhartha e Schopenhauer afirmavam que o fim do sofrimento implicava o fim da vontade, do desejo, pois o desejo gera expectativas e estas produzem sofrimento. Por outro lado, Camus via o sofrimento como inerente à vida, não pela natureza do sofrimento, mas porque a vida é absurda por definição. Para ele, a maneira de acabar com esse sofrimento é ser tão absurdo quanto a vida, nós buscamos tanto um propósito, um significado, que caímos em um árduo sofrimento, e é impossível encontrar uma definição material para o absurdo que é a existência, então, deveríamos abraçar o absurdo e viver a vida de acordo com a confluência ou se rebelar e buscar prazer e alegria, mesmo que estejamos neste mundo repleto caos e agonia. Acredito que o sofrimento seja necessário para a compreensão do eu e do Eu, tanto de quem aparentamos ser quanto de quem realmente somos. Porém, não apenas o sofrimento, mas principalmente a forma como lidamos com essa dor. Ocasionalmente, tento mudar de perspectiva, abraçando do pensamento estoico e tentando enxergar as coisas com um óculos-venda. Aceitar que as coisas que estão fora do meu alcance sempre estarão fora do meu alcance é difícil, levando em consideração o caos em que vivemos atualmente. Eu gostaria de mudar o mundo, eu gostaria de viver em harmonia comigo mesmo com, a natureza e, consequentemente, com todos outros seres humanos. Entretanto, é difícil. O ‘mundo’ aparenta estar cada vez mais egoísta, mais desumano. Muitos diriam que isso esses pensamentos egocêntricos vêm da natureza humana, o que discordo absolutamente. Nós, como seres humanos, biologicamente, ajudamo-nos como espécie, afinal, apenas estamos vivos até os dias de hoje por conta dessa ajuda mútua de humanos para com humanos. Sei que é impossível mudar o mundo, principalmente sozinho, mas o mundo tem de mudar eventualmente, queiramos ou não. Caso ele não mude, iremos à ruína. Quão longe vai o egoísmo criado pela personalização individual do seu Eu? Demos a nós mesmos a nomenclatura científica Homo sapiens sapiens, o homem sábio. De onde surgiu nossa sabedoria, senão do conhecimento empírico? Para termos plena noção e saber sobre o mundo ao nosso redor, precisamos conseguir ao menos discernir o que somos, e quem somos, afinal, além de uma entidade social, somos indivíduos únicos.

O homem precisa do afeto; O afeto é criado pelo homem; Se o homem não compreende afeto, De que será o homem?

 Relações interpessoais já são naturalmente complexas, pessoas têm pensamentos que divergem e convergem, pessoas mudam a forma de pensar, pessoas mudam seus próprios ideais, a essência é efêmera tal qual a vida. O ‘Eu’ é criado a partir da fundamentação da nossa personalidade, durante a primeira infância. Entretanto, o ‘Eu’ é mutável, seja por conta do meio onde vive, pela mídia que consome ou até por lesões cerebrais que podem afetar seu ‘Eu’.
 Presumo que a tentativa de descrever o ser humano seja vazia e sem sentido. Somos diferentes por essência. Podemos nos descrever como seres biológicos, mas nunca vamos conseguir captar perfeitamente o que é ser um Humano. O debate filosófico e científico sobre isso se mostra supérfluo, por mais que seja uma dúvida primordial. Mas eu acredito que é exatamente essa dúvida que nos torna humanos
 Percebi que eu não tive muito tempo para discernir que ‘Eu’ não sou o que os outros esperam que eu seja. Assim, até hoje, vivo como parte de uma entidade, e não uma totalidade, sou parte do meu ‘Eu’. O que fazer para alcançar a “completude”? O que sequer significa ser “completo”? Muitos tendem a buscar a completitude em outras pessoas, sejam parceiros românticos ou amigos. Porém, isso apenas forma duas metades separadas, não uma integralidade. Não podemos depender de outrem para nos tornarmos completos. Imagino que ser completo é o mais próximo de ser humanamente perfeito.
 Voltando ao conceito de Humano: Não me sinto como os demais, talvez nem mesmo me sinta humano. Em minha concepção, acredito que o Humano é um ser que deve ser empático e tentar entender os outros, o que requer a compreensão de si próprio. Às vezes, consigo compartilhar da humanidade, mas não pareço com outros. Sou empático demais, sofro demais com dores alheias, sinto muito. Isso é ser “Humano”? Ou será que eu sou Humano demais em relação aos outros? O que fazer quando o conceito de humanidade não está claramente definido até os dias de hoje, mesmo após milhares de anos de tentativas de formular este conceito que deveria ser simples.
 Claramente, somos multifacetados, somos amálgamos de luz e sombra, amor e indiferença, sofrimento e epifania. Esse paradoxo é o que faz nós, humanos, sermos tão belos, mas também é nele que reside a dificuldade de compreensão do que somos e do que é um Humano. Na filosofia oriental, por exemplo, o conceito de Yin Yang é muito presente. Este conceito representa a dualidade das coisas, absolutamente tudo possui diferentes lados e diferentes interpretações, a ideia de que esses opostos que residem em cada essência é o que realmente faz dela uma integralidade. Talvez essa dualidade seja o que nos define como entidades completas, e reprimir partes que julgas negativas de si mesmo, apenas te distancia da sua própria completitude, somos uma busca pelo equilíbrio entre a luz e a sombra. 
 Então, quem sou Eu? Apenas um jovem percorrendo uma estrada sinuosa em uma íngreme montanha? Ou um ser humano em constante evolução espiritual, mental e emocional, aprendendo e crescendo com cada experiência vivida, seja ela negativa ou positiva? Creio eu que a resposta reside em algum ponto entre estas duas possibilidades. Afinal, “existe mais de um caminho para se chegar ao topo da montanha” — frase atribuída a Miyamoto Musashi —, e imagino que eu vou cair diversas vezes antes de realmente me entender como um Humano, mas isso não é totalmente negativo, uma vez que a cada queda, eu descubro ou redescubro uma parte de mim, uma nova faceta do meu Eu multifacetado, o que torna a existência mais interessante e misteriosa. A cada levantar, eu percebo que talvez valha a pena viver. A cada passo, me aproximo mais de compreender plenamente quem sou.